
Aprovado por unanimidade, 4 votos de desembargadores contra 1, a justiça da 20ª vara cível deliberou que a prefeitura do Rio de Janeiro deve reduzir a tarifa de ônibus para R$3,60. O julgamento se deu a partir da apelação do Ministério Público do RJ, que alegou que o município usou uma medida inconstitucional para dar um acréscimo de 20 centavos à cobrança feita pelos consórcios, além dos 6,23% de aumento tarifário já previstos nos contratos de concessão. A medida foi o decreto 39.707/2014, a partir da lei 5.211 / 2010, que alega os custos com o ar-condicionado e as gratuidades para o aumento abusivo.
O que foi declarado inconstitucional, foi a violação dos contratos diante dos motivos alegados, de que o absurdo aumento de 20 centavos além dos 6,23%, pelas gratuidades e pelo ar-condicionado nos ônibus era falso! A gratuidade deve ser custeada pelo poder público, por exemplo, estando nos contratos que os custos não devem aumentar a tarifa. E a promessa em 2015 era de que a climatização seria em 70% das frotas, mas nem em 50% delas isso aconteceu. Sendo assim, teve cobrança indevida, como também o ROUBO dos usuários nos últimos anos, que pagam esse custo, comprovado que não existe. Cabendo o REEMBOLSO aos usuários, ALÉM da redução para R$3,60. Isso, segundo o próprio promotor, que deu o recurso jurídico contra os patrões do transporte público.
A alegação dos desembargadores que deram essa decisão, foi de que violando os contratos, os consórcios estavam fazendo um RETROCESSO para o modelo anterior ao atual, que é o CONCESSIONÁRIO. O que significa isso? Quer dizer que os empresários estão se comportando como era no modelo PERMISSIONÁRIO, que existiu antes de 2010. Então, precisamos entender as diferenças dos modelos de administração pública do transporte coletivo. Quais são essas diferenças e quais os motivos da mudança?
O CICLO DE AUMENTOS NA TARIFA
Para entender o modelo atual, que é o CONCESSIONÁRIO, precisamos saber que o anterior, o PERMISSIONÁRIO, entrou em CRISE. E para entender ela, seus motivos são pelo próprio modelo que engloba o transporte coletivo desde o século passado até hoje, que é ser controlado por empresas privadas e custeado pela tarifa. Dessa forma o serviço fica submetido ao que podemos chamar de CICLO VICIOSO DE AUMENTOS NA TARIFA. Nele, cada usuário paga o que seria, em teoria, o custo do modal e sua rodagem, dividido pela quantidade de seu uso por cada frota ou linha. Assim, mais passageiros por linha ou modal, poderia baratear as tarifas, mas acontece um problema. Na verdade, para manter o baixo valor das tarifas e beneficiar os usuários, os empresários precisariam aumentar as frotas e ampliar o serviço, que daria menos lucros e mais gastos. E a perda na competição com as outras empresas no setor.

Ocorre uma DECISÃO POLÍTICA: cobrar TARIFAS MAIS ALTAS e fazer os mais pobres e trabalhadores pagarem mais. Enquanto EXCLUEM PESSOAS dos modais, os empresários também lucrariam menos, ao ter menos pagantes. Mas eles preferem CORTAR FROTAS, LINHAS, EMPREGOS E SALÁRIOS (DE FUNCIONÁRIOS), para economizar. Vão ter o que mais querem: VIAGENS LOTADAS, POUCAS FROTAS E PASSAGENS CARAS. Essa piora constante nas condições do serviço, cria uma situação de indignação e até de revolta popular, vinda de quem tem necessidade se deslocar pela cidade: a imensa maioria dos trabalhadores. Mas logo acontece uma manobra: a CHANTAGEM para ter novas linhas, frotas e melhorias é AUMENTAR NOVAMENTE A PASSAGEM. Assim, temos um ciclo, que vive uma constante crise de financiamento do serviço e uma crise de mobilidade urbana, pela exclusão permanente de pessoas. Os dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) são de 2010: mais de 37 milhões de pessoas andando somente a pé nas cidades brasileiras, que é quase o número da população da Argentina. Nos últimos 5 anos, mais de 900 mil pessoas foram excluídas dos ônibus na cidade de São Paulo. E mais de 24 milhões pararam de usar esse modal na região metropolitana do RJ.
LUTA DE CLASSES NO TRANSPORTE COLETIVO

Falta de transporte na madrugada: decisão de empresários em economizar gastos, para lotar ônibus nos horários de pico de passageiros.
O problema se agrava com o custo social, a falta de acesso ao transporte desemprega pessoas. Já são mais de 350 mil desempregados no município do Rio de Janeiro. E uma forma de contribuir com isso, é o alto custo da força de trabalho pelo encarecimento do vale-transporte(VT). Muitos patrões das regiões centrais, não contratam moradores do subúrbio, para poupar gastos ou por simples preconceito, reforçado pelo isolamento dessas regiões. Isso leva trabalhadores a falsificar comprovantes de residência perto dos locais de emprego, pagando do próprio bolso, o valor do deslocamento que o VT não cobre. O tempo de transporte, que é no mínimo 1h 30 no RJ (dado do IPEA), pelo engarrafamento como um dos piores trânsitos do mundo, representa um tempo de trabalho que tende a ser cada vez mais custoso. Além de oficialmente não ser mais contabilizado dentro das cargas horárias, a partir das mudanças da Reforma Trabalhista, movida pelo Governo Federal. Dessa forma, temos um prejuízo social estimulado pela crise mobilidade urbana, que é pago principalmente pela classe trabalhadora.
No entanto, o capitalismo tem seus interesses em promover crescimento da produtividade. Nesse sentido, os serviços urbanos vivem uma dualidade: são formas de desenvolvimento humano, da cidade e crescimento de diversos mercados, ou são formas de enriquecimento particular, em especial dos proprietários e acionistas das empresas diretamente envolvidas. Assim, o transporte público não é somente importante para levar pessoas e ter acesso aos direitos, mas também é interesse de empresários. Ao mesmo tempo que dá acesso aos hospitais, lazer, a praia e ao trabalho. Também estimula novos mercados, pela circulação de pessoas e mercadorias. Podemos chamar ele de uma CONDIÇÃO GERAL DE PRODUÇÃO. Pois é um meio, para que esse desenvolvimento na sociedade aconteça. Podemos perceber que a crise de mobilidade urbana, apesar de vir do lucro de uns empresários particulares, pode trazer problemas para outros empresários e governos.

Os problemas que a crise de mobilidade urbana trazem, são de várias formas, mas as principais, podemos dizer, são da própria vida comercial dos empresários e de outra: dos trabalhadores que dependem do transporte público. Assim, em primeiro lugar a necessidade do deslocamento urbano faz o povo se mobilizar desde o século XIX. À medida que as cidades crescem, numa das urbanizações mais rápidas do mundo, com a população urbana brasileira superando a rural em menos de 50 anos, a necessidade de direitos básicos cresce também. Logo, enquanto cresce oferta de força de trabalho para os empresários, aumenta a necessidade por transporte coletivo, habitação, saúde, salários, etc. Enquanto as regiões centrais ficam mais caras, a classe trabalhadora é expulsa dali e passa a habitar o subúrbio e as favelas cariocas. Fica lucrativo, também implementar serviços urbanos e custear cobrando dessa população. Depois de mobilização e ocupação urbana nessas regiões da cidade, o poder público articulou o apoio ao serviços de ônibus, feito por empresas, que eram propriedades das principais famílias ricas. Essas eram proprietárias, em maioria não só das terras alugadas aos trabalhadores, mas também dos serviços prestados para favorecer aos empreendimentos. Aqui, principalmente, os do mercado imobiliário. Além de circular pessoas, para produzir para o crescimento comercial e financeiro do Rio de Janeiro.
ORIGEM E CRISE DO MODELO PERMISSIONÁRIO

Temos o serviço de ônibus ligado ao município do Rio, desde o pós-2ª guerra mundial, quando a crise do transporte público por bonde gerou problemas de manutenção e renovação das frotas ao lidar com a sua empresa, a “Light”, norte- americana. Com dificuldades de transação durante o seu país em guerra. Assim, as prefeituras fizeram alianças com as famílias mais ricas e proprietárias das empresas de ônibus, que gerou um controle político ao promover a integração urbana através da expansão desse modal. Hoje em dia são mais de 70% das viagens por esse transporte, no Rio. A tendência cresceu e temos uma profunda inter-relação das prefeituras da cidade, com empresários desse setor. Desde os anos de 1960, o modelo de exploração e administração pública, era o PERMISSIONÁRIO, onde o município dava a permissões de atuação pela cidade. Isso para ter uma seleção do número de empresas, enquanto as parceiras garantiam seu controle do mercado. Após conflitos com os “lotações” e a competição entre si, pelos usuários.
O modelo permissionário, durou até o ano de 2010. Mas já vinha apresentando alguns problemas. Em 2005 teve uma queda brusca no número de passageiros, enquanto as políticas do município não compensavam a crise de mobilidade, principalmente do que eles consideram “competição predatória”. Enquanto isso, as empresas mantinham seu numero tolerável, como permissionárias, competindo com transporte alternativo. O fato se deu, pois as empresas recebiam uma verba de retorno e proteção do município, como resposta à crise do ciclo de aumentos na tarifa e seus cortes constantes no transporte, para impedir falências das empresas e não prejudicar o serviço. Mas o problema foi que perceberam que pelos mesmos subsídios, os empresários não investiam em novas linhas ou frotas e continuavam aumentando tarifas, mantendo a estagnação do serviço. Essa situação é mais uma das consequências do ciclo citado, que podemos chamar de CICLO DE SUBSÍDIOS. Onde as políticas de incentivo ao transporte do poder público, não soluciona a crise de mobilidade urbana, apenas adia a sua piora.
Já que a proteção estatal e municipal às empresas permissionárias de transporte por ônibus seria uma solução contra o ciclo das tarifas, dessa vez o processo continuava e perdia cada vez mais usuários. Onde a competição comercial alegou que a proteção estava ocorrendo sem regulação que protegeria a uma “concorrência leal”. Segundo seus gestores e técnicos, a proteção governamental impedia a “livre concorrência” e a busca por um serviço eficiente: com preço razoável das tarifas e ampliação das frotas. Assim, passaram a elaborar um projeto em que a gestão do serviço seria pela concorrência, supostamente “justa”, através de licitações. Na verdade, foi um grande pacto entre empresários, estado e município, que garantiram uma regulação e elaboração de projetos urbanos que mantivessem os lucros, anteriormente ameaçados no modelo permissionário.
ORIGEM E CRISE DO MODELO CONCESSIONÁRIO
As medidas feitas a partir dos consórcios formados nas licitações de 2010, mostravam e revelavam os motivos da crise no anterior modelo permissionário. A cidade foi dividida entre 4 RTRs (Rede de Transporte Regional), onde operaria cada consórcio: Santa Cruz (Zona Oeste), Intersul (Zona Sul), Internorte (Zona Norte) e Transcarioca (Jacarepaguá). O Centro virou região “neutra”, com linhas dos quatro consórcios. Se o discurso era a garantia de uma “justa competição” entre os empresários, o que aconteceu foi que as famílias mais antigas e mais poderosas venceram as licitações, mantendo-se no controle dos ônibus. Ocorreram violações dos próprios editais, quando gestores em ações de mais de 4 empresas competidoras, participaram, sabendo que não podia ter nem em duas. Ou relatos de que receberam os critérios de seleção, antes da publicação dos editais. Uns deles: Jacob Barata, o segundo maior dono de ônibus do Brasil e o maior do Rio. Outro, foi Lélis Teixeira, presidente da Fetranspor (Federação Estadual de Empresas de Transporte do RJ) e da Rio Ônibus(Sindicato das empresas de ônibus do Rio de Janeiro). Atualmente presos por corrupção com o governo do estado, com mais de R$500 MILHÕES em propinas. E desvios de R$95 milhões das tarifas de usuários nos bilhetes eletrônicos, da empresa Rio Card. Além de R$300 milhões para o Banco HSBC da Suíça e serem citados na corrupção internacional do “Panama Papers”.

As reformas pretenderam garantir a estabilidade dos lucros empresariais, assim como o monopólios das principais empresas gestoras nos consórcios. Entre as principais, destaca-se: instalação da integração do Bilhete Único em todos os ônibus, implementação dos BRT (Bus Rapid Transition), perseguição do transporte alternativo (vans e kombis), o reajuste anual das tarifas e a racionalização das linhas (corte de mais de 150 linhas na cidade). Isso, gerou uma reestruturação urbana da cidade, que garantiu o aumento do número de usuários em equilíbrio com os gastos. Dessa vez não teve a competição predatória e cada empresa tem a sua área de atuação. Nisso, a diminuição do transporte alternativo, garantiu a dependência das linhas dos consórcios. Enquanto os BRTs lotavam de passageiros, outras linhas foram sendo cortadas ou substituídas por “alimentadoras”. E o Bilhete Único garantiu uma quantidade certa de passageiros, ao usar o benefício da “baldeação”, que são duas viagens em menos de 2 horas no valor de uma tarifa. Ao mesmo tempo, o reajuste anual das tarifas, era feito em equilíbrio com os gastos, sob a garantia constante dos contratos de licitação, que estão programados para durar até 2030 e com possibilidade de prorrogação. Assim, os empresários e município solucionaram, provisoriamente, a crise de financiamento, mantendo o mesmo modelo de exploração que promove a crise de mobilidade urbana: custo pela tarifa e controle privado.

Protesto de trabalhadores em 2014, contra o corte de linhas por conta dos BRTs Transoeste e Transcarioca.
O reconhecimento, agora em 2017, da justiça pela redução da tarifa para R$3,60, fez lembrar que o projeto da licitação de 2010, a primeira realizada pelo município no transporte do Rio de Janeiro, declarava que o problema do modelo permissionário era a não garantia da modicidade das tarifas e a eficiência do transporte. Então, a decisão dos desembargadores visa tentar garantir essa promessa. No entanto, os empresários dos consórcios já declararam, que se não tiverem aumento na passagem, irão cortar mais linhas, salários de funcionários, benefícios e frotas dos ônibus. Além de alegarem falência de algumas empresas, mesmo que envolvidas com corrupção e desvios de capital para outros mercados. Isso promove o retorno ao ciclo de aumentos nas tarifas, onde empresários não pretendem ter tarifas baixas e expansão da frota, mas sim poucos ônibus e tarifas mais altas. Assim, podemos dizer que o modelo concessionário falhou em sua promessa. Não por ineficiência, mas por decisão política, que visa reformar o transporte coletivo mantendo o mesmo modelo de exploração.
URGÊNCIA DA TARIFA ZERO

Dada a ameaça dos empresários, fica difícil acreditar na promotoria, que alega que os usuários devem ser reembolsados. Mantendo o mesmo modelo, uma redução ou um reembolso provoca mais ameaças e cortes dos empresários. Sendo assim, parece que o poder público está em um IMPASSE: não pretende atender aos consórcios, pois isso vai piorar a crise e também quer manter o mesmo modelo de exploração, pois isso implica em pensar em outra forma de custear e controlar o transporte coletivo. Essa segunda opção, é a TARIFA ZERO, onde tira da tarifa o custeio, para ser outra forma, que garanta o uso gratuito para toda a população. Ela seria custeada no critério de uso, beneficiado e contribuinte. Os trabalhadores, atualmente, são os que mais usam, os menos beneficiados e que mais contribuem. Já, os empresários são os que menos usam, os que mais se beneficiam, pelo crescimento de capitais, mas os que menos contribuem. Pois, é comprovado que os capitais sofrem baixíssima ou nenhuma taxação tributária, enquanto a renda dos trabalhadores é quase triplamente mais taxada. Além de desonerações absurdas, que contribuíram com a crise econômica no estado do RJ: R$183 BILHÕES do governo Cabral-Pezão a empresários de setores parceiros. Assim, há rendas e impostos suficientes para bancar o transporte público e gratuito. Esse benefício, promoveria a real redução do custo por passageiro, conforme prometida pelo “livre mercado”. Mostra que a tarifa não é a medida do custo real do transporte por cada usuário, mas sim da demanda de lucro dos empresários, sofrendo manipulações e falsificações. Para ter essa verdade, é preciso somente o calculo da rodagem e com transparência. Assim, com a tarifa zero, não caberia o ciclo de aumentos, com seus cortes e superlotações, pois seria necessário expandir o serviço para atender a crescente demanda de usuários, que são trabalhadores expandindo seus empregos e direitos.

Tarifa Zero, em Maricá (RJ). Uma das 12 cidades brasileiras com o modelo.
Enquanto a TARIFA ZERO é tratada como utopia ou “maluquice”, continuamos no impasse. O poder municipal, segue mantendo o mesmo modelo enquanto os empresários vão submeter os trabalhadores a novos cortes. Muitos já estão pagando o dobro da passagem, com o fim da segunda baldeação no Bilhete ÚNICO. É provável, que sem uma implementação do transporte público e gratuito, a prefeitura de Marcelo Crivella permita os cortes até se intensificar a insatisfação popular. A esperança dele é que não se promova novas mobilizações ou uma revolta popular. Como foi contra o preço da passagem em Junho de 2013. Diante disso, talvez surjam novos pactos de manutenção da tarifa e da exclusão no transporte, com o poder público e empresários pensando em novas reformas ou medidas pra garantir mais exploração e equilíbrio de gastos. Como já está fazendo e recorrendo contra a redução para R$3,60.

Ou o povo trabalhador aceita calado e vive as piores condições diante da crise econômica que está vindo: com novos cortes em direitos sociais, trabalhistas e serviços públicos. Ou aceitamos o desafio e nos organizamos, partindo para luta popular por tarifa zero nos transportes coletivos e por nossos direitos.

Junho de 2013, o povo derrubou tarifas em 100 cidades brasileiras. O maior levante popular dos últimos 30 anos no Brasil.